segunda-feira, 10 de novembro de 2008

BEETHOVEN




Após lágrimas derramadas por uma emoção cujo nome não conseguem traduzir as palavras, tanto por ouvir a Música, desse que, surdo, nos legou sons de uma nova era, sons que estão, acreditem, nas esferas transcendentais, atemporais, ecoando no infinito do astral, como por Ler esse poema tão, tão... inquietante, áspero, lírico e transcendente ao mesmo tempo, do Mestre Drummond, tenho a honra de esparzir a luz contida nessas palavras tão poéticas, tão proféticas...




BEETHOVEN

Meu caro Luís, que vens fazer nesta hora
de antimúsica pelo mundo afora?

Patética, heróica, pastoral ou trágica,
tua voz é sempre um grito modulado,
um caminho lunar conduzindo à alegria.
Ao não-rumor tiraste a percepção mais íntima
do coração da Terra, que era o teu.
Urso-maior uivando a solidão
aberta em cântico: entre mulheres
passando sem amor. Meu rude Luís,
tua imagem assusta na parede,
em medalhão soturno sobre o piano.
Que tempestade passou em ti e continua
a devastar-te no limite
em que a própria morte exausta se socorre
da vida, e reinstala
o homem na fatalidade de ser homem?

Nós, os surdos, não captamos
o amor doado em sinfonia, a paz
em allegro enérgico sobre o caos,
que nos ofertas do fundo
de teu mundo clausurado.
Nós, computadores, não programamos
a exaltação romântica filtrada
em sonatino adágio murmurante.

Nós, guerreiros nucleares, não isolamos
o núcleo da paixão de onde se espraia
pela praia infinita essa abstrata
superação do tempo e do destino
que é razão de viver, razão florente
e grave.

Tanto mais liberto quanto mais
em tua concha não acústica cerrado,
livre da corte, da contingência, do barroco,
erguendo o sentimento à culminância
da divina explosão, que purifica
o resíduo mortal, angústia mísera,
que vens fazer, do longe de dois séculos,
escuro Luís, Luís luminoso
em nosso tempo de compromisso e omisso?

Do fogo em que te queimaste,
uma faísca resta para incendiar
corações maconhados, sonolentos,
servos da alienação e da aparência?

Quem comporá a Apassionata de nosso tempo,
que removerá as cinzas, despertará a brasa,
quem reinventará o amor, as penas de amor,
quem sacudirá os homens do seu torpor?

Boto no pickup o teu mar de música,
nele me afogo acima das estrelas.


Carlos Drummond de Andrade

Um comentário:

Fernanda Fernandes Fontes disse...

Quão magníficas as canções deste artista...envolventes...me fascina o fato de ele transpor td o sentimento em canção sem letra...apenas som...

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:)

Bjs